Refletir sobre a culpa materna e a maternidade nos convida a examinar a influência da contemporaneidade nas nossas vidas, pois cada época tem o seu próprio espírito ou dinâmica. A famosa frase no mundo da maternidade, “Nasce uma mãe, nasce uma culpa”, serve como ponto de partida para essa reflexão.
A culpa é um sentimento humano intrínseco, surgindo mesmo antes da maternidade. No entanto, por que esse sentimento pode parecer tão avassalador para as mães?
A imensa responsabilidade de criar e educar um ser humano pode gerar dúvidas constantes sobre se estamos fazendo a “coisa certa”. Quando nos encontramos questionando nossas ações ou nos culpando por supostos erros, esse sentimento pode se transformar em um grande fardo emocional.
É notável que, apesar das mudanças positivas no movimento em direção à paternidade mais ativa, a maioria das mulheres ainda se queixam de que os pais continuam mantendo os mesmos padrões de comportamento de antes. Muitos não se dedicam tanto quanto as mães aos cuidados dos filhos e do lar, e ainda não experimentam a mesma carga de culpa em relação aos cuidados que deixam de fornecer aos filhos.
Isso pode ser atribuído em boa parte à nossa cultura patriarcal, que historicamente colocou sobre as mulheres a maior parte das responsabilidades relacionadas aos cuidados dos filhos e da casa. Embora as mulheres tenham conquistado espaço no mercado de trabalho, a divisão equitativa das responsabilidades domésticas e parentais ainda não é uma realidade na maioria dos lares.
Além disso, a pressão sobre as mulheres para serem mães exemplares é exacerbada pela representação glamourosa e idealizada da maternidade na sociedade contemporânea. A expectativa de ser uma mãe “padrão ouro”, como define a psicanalista Vera Iaconelli, adiciona um modelo de maternidade insustentável e que acaba como um peso extra sobre os ombros das mulheres.
Outro aspecto que também observo em minha prática clínica é a experiência de algumas mulheres durante a gravidez, quando mãe e filho estão fisicamente unidos e ela é a sua única provedora. Após o parto, ocorre uma separação física e emocional, marcando o início de uma nova fase de vida tanto para a mãe quanto para o bebê. Mas, essa transição pode ser bem desafiadora, pois a mãe deixa de ser a única ou o centro de cuidado e atenção para o bebê, precisando agora compartilhar esses cuidados com outras pessoas.
Contudo, o sentimento de ser a única responsável pela vida do filho parece que a acompanhará também após o nascimento.
É importante ressaltar que essas observações são baseadas em minha experiência clínica e não em pesquisa formal. No entanto, espero que essas reflexões possam oferecer algum recurso para quem se identifica com esses sentimentos, incentivando uma redução na autocobrança e culpa materna. Embora seja normal sentir culpa em determinados momentos, se esse sentimento persistir de forma esmagadora, é hora de reconsiderar e buscar maneiras de aliviar esse peso emocional.